A privacidade do Agente Público e o interesse coletivo à informação
Breves comentários acerca das recentes interceptações ocorridas na denominada Operação Lava-Jato
Num mundo onde o conceito de cidadania tende a se diluir, a máfia, que se perfaz Estado quando o Estado é tragicamente ausente, enquanto lógica de dependência, passa a se tornar mais forte.
— Marcelle Padovani - Cosa Nostra: O juiz e os homens de honra.
"Que soltem os corruptos e prendam o Juiz", afirma de forma ímpar o emérito jurista Elpídio Donizetti, notória crítica aos defensores da chamada "legalidade formal", desprovida de fundamento espiritual, tão somente meio para justificação de uma justiça '"para inglês ver".
Partindo da premissa da ampla divulgação midiática do caso envolvendo os diálogos interceptados durante a Chamada Operação Lava-Jato, notadamente os referentes às conversas ocorridas entre a Presidente da República e o ex-presidente Lula, sobre a suposta ilegalidade de tais interceptações, por ter ocorrido hipotética violação à intimidade de um Agente Público do alto escalão da Administração Pública. Sem mais delongas, cumpre irmos direto ao ponto.
Reiterando as palavras esposadas pelo eminente professor e jurista Elpídio Donizetti no link abaixo descrito, acerca das críticas ferozes contra a atitude do magistrado na divulgação das já referidas conversas interceptadas na chamada Operação Lava-Jato, cabe levamos o operador do direito e o leigo a questionarem o seguinte: em algum momento levou-se em consideração o notório interesse coletivo na divulgação das desfeitas ocorridas nas altas cúpulas de Administração Pública, direito à informação este de caráter constitucional? E a supremacia do interesse público primário (o verdadeiro interesse público, aquele social, coletivo)? E os direitos fundamentais dos mais de 200 milhões de brasileiros diuturnamente violados, em sua grande parte por conta da sistemática corrupção que assola o Estado Brasileiro? E a tentativa explicita de boicote ao normal andamento dos trabalhos da Justiça, tentativa esta feita por um agente público sem qualquer escrúpulos, que já mostrou ser capaz de tudo para defender sua grei? E o interesse da República ("res pública")? E a tentativa de acoite a atos ilícitos supostamente praticados por um particular, investida feita por um agente público, com espeque na máquina pública? E a sistemática dilapidação do patrimônio nacional? [...]. Nota-se que são infindáveis os questionamentos aqui ventilados, o que demanda extrema ponderação por parte do exegeta.
Cumpre, ademais, transcrevermos citação de texto de autoria do nobre Desembargador do TJRS, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em que desenvolve indigitável trabalho acerca das formas de interpretação das normas jurídicas, senão vejamos:
[...] A interpretação teleológica supera a lógica formal e dirige sua atenção para o bem jurídico tutelado pela norma, isto é, para o fim que a norma procura alcançar (Bettiol). A conclusão interpretativa deve estar afeiçoada à preservação desse valor bem jurídico, o que extrapassa o âmbito da lógica formal para introduzir no método jurídico um elemento material. [...].
Será que algum entre os politicamente corretos defensores da "legalidade formal" no presente caso chegou antes a pensar de forma proporcional, balanceando os valores que a norma visa proteger, os diversos valores coletivos violados no caso em tela? Ou estão apenas "forçando a barra" no intuito de defender o indefensável?
Mais: partindo-se de uma interpretação teleológica, e de que não existem princípios absolutos, cabe questionar: entre um interesse individual (questionável) de privacidade de um agente público, e o interesse do povo, verdadeiro titular do poder (com espeque na Carta Política de 1988 - art. 1º, p. Único), qual destes deve preponderar?
Por fim, cumpre esclarecer que remonta ao Direito Romano a percepção de que o interesse da coletividade deve preponderar sobre o interesse específico de determinado cidadão, devendo-se observar, como sempre, o limite da utilidade da informação para a sociedade. É o paradigma extraído do anexim salus populi suprema lex est ("seja a salvação do povo a lei suprema"- máxima do direito público em Roma para significar que todas as leis devem ter em vista o bem coletivo).
Por Artur Braian.
Referências
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Interpretação. AJURIS, v. 16, n. 45, mar. 1989.
ANTONY FILHO, Flávio Cordeiro; RIBEIRO FILHO, Helso do Carmo. Direito à Informação e a Privacidade do Servidor Público. Revista Jurídica Consulex. Ano XVI- N' 381 - 1º de dezembro/2012.
FALCONE, Giovanni; PAVADONI, Marcelle. Cosa Nostra: O Juiz E Os "Homens De Honra". Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.
PORTAL IED - Instituto Elpídio Donizetti. Que soltem os corruptos e prendam o Juiz. Disponível em: <http://portalied.jusbrasil.com.br/noticias/316016479/que-soltem-os-corruptoseprendamojuiz>. Acesso em: 22 mar. 2016.
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